sexta-feira, 10 de maio de 2013

Reflexões sobre o “fim” da Cultura Egípcia

Quando lemos a história da antiga Kemet, nos deparamos com uma cultura que durou por mais de 4 mil anos, o que de fato é incrível, pois nessa extensa história, houve poucas rupturas, sendo que na maior parte do tempo, a estrutura social se tornou quase que intacta. Não é fácil compreender a cultura kemética, muitos egiptólogos escrevem que o mais surpreendente é que a cultura desta sociedade permaneceu estática, no entanto, isto é impossível. O que vemos é uma cultura com modificações constantes, no entanto, uma estrutura política social praticamente estática. A partir disto, podemos compreender melhor em que estava baseada toda a cultura kemética, sendo que mesmo a modificando a forma de culto ou a forma de vida desse povo, a única coisa que se mantinha firme era a estrutura social, assim, podemos afirmar que a cultura se mantinha graças a essa estrutura, que no topo de sua “Pirâmide Social” estava o próprio Nisut, deus encarnado, ponte entre Netjer e os humanos.

Muito se especula como a sociedade pagã kemetica se transformou numa sociedade cristã, com os cristãos coptos e depois numa sociedade mulçumana com a dominação do islamismo. De fato, ocorreu todas essas mudanças, no entanto, para compreender essa mudança de Pagão para Cristão, é necessário uma profunda observação dos 4 mil anos de história que antecede esse fato e é claro, a compreensão do estado histórico do momento que ocorreu esta mudança.

No livro Historia da África II, organizada pela UNESCO, nos diz que o que ocorreu foi “uma crise no mundo pagão, cuja religião tradicional não mais satisfazia as necessidades espirituais dos povos da época”. Isso ao meu ver, é uma resposta simplória e um tanto etnocêntrica, pois a partir que se afirma isto, podemos compreender que a cultura cristã é mais “evoluída” que a ultrapassada cultura pagã, o que de fato não é, pois não existe culturas mais desenvolvidas que as outras, existem culturas, simplesmente culturas.

Abrindo os olhos a isto, podemos enxergar melhor o que aconteceu com Kemet ao se tornar cristã. Pois bem, observemos que no mais alto posto dado ao um nativo era o de Nisut, soberano de Kemet, ao qual cabia a ele manter viva a fé, cabia a ele governar o seu povo trazendo riqueza, prosperidade, saúde e vida. A vida do Nisut não era fácil, ele tinha várias atribuições e competências, a vida do povo estava totalmente entregue em suas mãos. Na história de Kemet, estima-se que existiram cerca de 330 Nisut’s, divididas em 31 dinastias de Narmer a Alexandre, com a dominação macedônica, isto, 332 a.C, a partir dele, os Nisut foram estrangeiros. A única dinastia que podemos citar um Nisut com envolvimento direto com Kemet, foi no período Ptolomaico, que durou de 305 a 30 a.C, nos outros períodos, houve pouco envolvimento. Esse envolvimento do soberano com o povo se distanciou ainda mais no período Romano, onde o imperador era visto como Nisut, no entanto, essa figura teve pouca força. Alguns poucos templos foram erguidos em honra aos Nomes de Netjer, principalmente em nome de Isis (já com uma forte apelação romana) e Wesir. Esse período de dominação romana, durou de 30 a.C a 395 d. C.

Imagem de Ramses III em ruínas
Quando o Império Romano adotou o cristianismo como religião oficial (aqui não vamos aprofundar o porque que isto aconteceu) todas as suas dominações também tiveram que se converter, inclusive, Kemet. Houve ainda decretos para que todos os templos pagãos fossem fechados por todo o território, em Kemet, o Templo de Philae foi o ultimo a ser fechado. A partir daqui podemos compreender essa transformação cultural e religiosa. Veja, como eu já havia dito, a cultura egípcia estava baseada em sua estrutura social, onde o Nisut era o soberano, ao fazermos essa retrospectiva, podemos ressaltar que por mais de 300 anos, a figura do Nisut foi inexistente, o povo estava órfão de sua ponte entre Netjer e a humanidade e a religiosidade aos poucos foi perdendo seu significado maior, sua estrutura, sua forma ideológica e assim, entrando num colapso não porque a religiosidade não tinha mais valor, mas ela não existia tal como ela foi concebida, pois a estrutura social que dava base a cultura kemética, fora apagada.

Cruz Cristã talhada no Templo de Philae
 Essa falta do Soberano foi crucial para a transformação cultural dos Keméticos, mas vale salientar também, que essa imposição do cristianismo não foi feita pacificamente, houve sim resistências, principalmente da parte dos antigos sacerdotes, no entanto, essa resistência foi vencida. A partir da imposição da religião cristã sobre os keméticos, templos outrora dedicados aos Nejteru foi reformulados em igrejas cristãs com pinturas cristãs, entre elas podemos ressaltar as pinturas cristãs do Templo de Philae, antes dedicado a Aset, foi transformado em uma igreja cristã. Quando o cristianismo foi adotado em Kemet, não houve uma adoção tal como o cristianismo em Roma, tanto que o cristianismo Kemetico recebeu o titulo de Cristianismo Copta, exatamente por adotar as simbologias da religiosidade pagã, entre elas a Ankh que foi adotava com símbolo da cruz.


Pintura Cristã em Luxor

Reflexões como estas, nos fazem passar a importância do Nisut para os egípcios, o que podemos pensar que este cargo, seja uma das bases de toda a religião, que a partir que não tenha este pilar, a fé desmorona. Foi nesta perspectiva que o cristianismo e depois o islamismo encontrou campo fértil para converter as pessoas.

De fato, podemos ver que a cultura kemética jamais se extinguiu, podemos ver elementos de sua religiosidade inseminada em várias outras religiosidades, até hoje, no Egito Moderno, algumas das festas outrora pagãs, fazem parte dos festivais populares dos ribeirinhas do Nilo. E ainda, podemos citar a Ortodoxia Kemética, que busca ser a mais fidedigna a essa cultura, usando a própria história o modelo de culto. É claro que a Ortodoxia Kemética também possui uma Nisut, Hekatawy I tal como na antiguidade, é um dos pilares da fé Ortodoxa Kemética. Mas isto, já é um assunto para outro post.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muitos sacerdotes do antigo culto egípcio se tornaram cristãos após o Edito de Tessalônica. A influência grega pairava mais sobre Alexandria e arredores, mas no sul ainda era mantida as raízes ancestrais entre os camponeses, esses também se tornaram cristãos. Com o declínio dos templos, caiu em desuso a escrita hieroglífica, a língua ainda era falada e ainda é nas igrejas egípcias, mas usando um alfabeto com caracteres demoticos e gregos. A Igreja copta conserva a antiga língua egípcia do mesmo modo que a católica romana conserva o latim. A festividade que remonta da antiguidade pagã é o shom-en-nisim, celebrado anualmente pelos coptas na páscoa.

Anônimo disse...

Os cristãos coptas são os herdeiros do legado faraônico, sua língua, seu calendário, algumas festividades e tradição denotam claramente essa fato. São Pacomio, era egípcio do sul do Egito, região de onde é Luxor atualmente, este era um cristão convertido, de pais pagãos, os pais de São Pacomio eram egípcios pagãos. Ele viveu em meio a transição das antigas crenças para o cristianismo.