terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Tradição na Ortodoxia Kemética


"Tradição não é o culto às cinzas, mas a preservação do fogo"
Gustav Mahler

Não é de hoje que as religiões politeístas estão crescendo no mundo ocidental. Dominado pelo cristianismo o ocidente está cada dia mais voltando seus olhos as religiões politeístas como tentativas de se voltar as suas raízes. As religiões tradicionais politeístas está ganhando força cada dia mais, principalmente em seus lugares de culto, nas regiões nórdicas por exemplo o Heathenismo ou Asatru está ganhando cada dia mais adeptos, na Grecia o Dodecateísmo também vem mostrando um crescimento de praticantes, e até na Rússia o Rodnovaria vem crescendo. É claro que o crescimento de religiões tradicionais politeístas não está restrito somente aos seus locais de culto, as essas religiões chamam a todos que sentem ligação com esse modo de vida. O que não poderia ser diferente com a Ortodoxia Kemética.

A Ortodoxia Kemética é reconhecida internacionalmente como uma Religião Tradicional Africana. Que Kemet é África não temos duvidas, mas o que muitas vezes pode parecer confuso é a questão da tradição. Esse pequeno artigo terá como prioridade buscar elucidar melhor essa questão dentro da nossa religião. 



Vamos primeiro compreender o que essa palavra, tradição, significa. 
De acordo com Danilo Marcondes em seu livro Dicionário Básico de Filosofia "Tradição (do latim traditio, tradere = "entregar", "passar adiante") é a continuidade ou permanência de uma doutrina, visão de mundo, costumes e valores de um grupo social ou escola de pensamento." A partir disto, compreendemos que Tradição é uma forma de manter viva um pensamento ou uma forma de viver, e é exatamente isso que a Ortodoxia Kemética propõe. Nossa fé não é uma forma de teatro, que busca reproduzir de forma irracional algo feito no passado, nem tão pouco nossas práticas se resumi a rituais ou somente aquele momento especifico que nos doamos aos nossos deuses, enfim, a O.K. é uma forma de vida.
A partir do momento que compreendemos que a O.K é uma religião Tradicional não podemos ser levianos nos cultos a essas divindades, pois o culto tradicional é muito mais profundo, pois engloba questões que vão além de oferendas ou uma liturgia, o culto tradicional é um modo de vida que exige de seu praticante uma disciplina e uma dedicação muito maior que outras formas de cultos.

Um segundo ponto relevante, para compreender a questão, é entender como a Ortodoxia Kemética se caracteriza como Tradicional Africana. Religiões tradicionais africanas envolvem ensinamentos, práticas e rituais, e visam a compreender o divino, dentro dessa visão, a O.K. comunga com as outras religiões e tradições originadas dentro do continente africano em preservar ensinamentos difundidos em Kemet. 

Foto de Siathethert
Qualquer um, em qualquer parte do mundo, ao adotar a O.K. como religião terá que compreender e assim aceitar que as tradições dentro da fé é algo de extrema importância. É um mistério, também chamado de fundamento, pois está ligado aos princípios da tradição religiosa que devem ser tratados com cuidado, podemos dizer que são a base necessária da religião para que esta continue sendo pertencente a uma tradição religiosa. Entendemos também que a Tradição na Ortodoxia Kemética não é algo criado pela Hekatawy I (AUS) (fundadora e atual Nisut da fé) e também não é algo pertencente a nenhum outro Nisut-bity do passado, entendemos que a/o Nisut é o defensor da tradição e dos fundamentos, tem que ser o primeiro/a a defender/proteger/praticar/respeitar as tradições, já que este/a é o principal exemplo a ser seguido pelos outros praticantes.


“Para descobrir um novo mundo, é preciso saber esquecer seu próprio mundo, do contrário, o pesquisador estará simplesmente transportando seu mundo consigo ao invés de manter-se ‘à escuta'", esta frase elucida bem a questão do praticante de uma religião tradicional, pois ao adotar uma tradição para si precisa-se mergulhar em novo mundo com grande respeito, pois acima de tudo é isso que mais exige a Ortodoxia Kemética: respeito as tradições e aos ensinamentos. Ptah-Hotep escreveu "Quanto a você, ensine seu discípulo as palavras da tradição. Que ele sirva de modelo para os filhos dos grandes, para que nele encontrem o entendimento e a justiça de todo coração que lhe fala, visto que o homem não nasce sábio." 

Seguir, respeitar e vivenciar a Tradição é Maat!


Bibliografia:
HILTON, Danilo Marcondes (1993). 'Dicionário básico de filosofia, Zahar. p. 269. ISBN 978-85-378-0341-7.
HAMPATÉ BÂ, Amadou. A Tradição viva. História geral da África. Editado por Joseph Ki-Zerbo. – 2. Ed. Ver. – Brasília : UNESCO, 2010, p. 167-212.
JACQ, Christian. The Living Wisdom of Ancient Egypt. 1999

domingo, 5 de novembro de 2017

Celebração Através do Calendário Kemético - Khoiak

Em hotep. 




Khoiak é o meu mês preferido por uma série de razões, e como este mês é especial, decidi escrever sobre práticas devocionais baseando-as no calendário kemético, que possui uma grande variedade de festivais distribuídos em cada mês, e na minha perspectiva, honrar os deuses através do calendário nos coloca em uma rotina de devoção e contato contínuo com os netjeru de forma flexível e adaptável.

Como citado acima, o calendário é repleto de festivais, de natureza lunar, solar e estelar. E basicamente os festivais da metade do mês (Half-Month Festival) sempre estarão lá para que reflitamos junto dos deuses sobre a vida, a existência e a religião, e para permiti-los fazer parte do que estamos passando no momento. No fim de cada mês há uma celebração especial para Ra, Heru e Wesir, divindades ligadas à continuidade e estabilidade da realeza em ambos os mundos. 

Água fria é uma oferenda tradicional e comum, tão como o pão e perfume - incenso, flores, óleos. Parecem oferendas simples para nós, à primeira vista, mas água fria por exemplo era valiosa em Kemet. Outras oferendas comuns são cerveja, e refeições do dia a dia etc. Outras formas de louvar os deuses são através de orações antigas, encontradas do Ancient Egyptian Prayerbook, ou modernas.

Os meses são sagrados para determinadas divindades, elas presidem e nos guardam durante todo o mês. Khoiak é sagrado a Sekhmet, a Soberana, e podemos homenageá-la no decorrer do mês. O Sexto Dia de cada semana é consagrado ao Akhu para serem lembrados e venerados, nossos ancestrais que nos inspiram a viver com sabedoria na terra em que eles uma vez já pisaram. 

Não é necessário celebrar todos os festivais do calendário, pois de fato são muitos para dar conta. Contudo existem aqueles que são maiores e nacionais, e que toda a comunidade celebra junto da Nisut (ankh udja seneb). Um destes festivais é o grande Festival de Wesir (os Mistérios de Wesir), que acontece no fim do último mês de Akhet.

A prática pessoal, realizada em sua própria casa, pode ser muito personalizável ao seu próprio estilo de vida, então não há com o que se preocupar com o calendário. Não obstante, sempre haverá Dua para festivais maiores, e também alguns menores. E por ser estatal, as coisas acontecem de forma tradicional.

Para mais informações sobre o calendário kemético, o Ancient Egyptian Daybook é uma detalhada e completa fonte de informações: http://www.egyptiandaybook.com/

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Heriu Ronpet - Dias Epagomenais



No fim do ano, alguns (não-)dias são separados para um ato de Criação em si, o nascimento dos cinco filhos de Nut. São dias propícios para o incomum e o perigo se manifestar, portanto segue a tradição de se proteger através de amuletos e orações para afastar o caos e os imprevistos ruins, principalmente no dia do nascimento de Set. Um mito em grego prega que Djehuty é responsável por esses não-dias existirem, e assim a concepção dos filhos de Nut podem acontecer antes do próximo ano de fato começar. Os dias epagômenos não correspondem a nenhum mês, e pode sofrer alterações devido a localização atual do Rei, podendo ser acrescentado alguns dias neste mini-mês. 

O primeiro não-dia é dedicado ao nascimento de Wesir, herdeiro de Geb, Rei e Senhor de seu Povo. Wesir representa o lodo fértil de Kemet, e o milagre da terra que faz com que a semente germine e traga a vegetação e o alimento proveniente dela. O segundo é dedicado a Heru-wer, o céu diurno, o sol e a lua, de natureza bélica e vitoriosa. O terceiro é dedicado a Set, irmão gêmeo de Heru-wer, a areia vermelha, o deserto estéril, a tempestade e a força dura e fria que suporta ma'at de forma instintiva e necessária. O quarto corresponde à Aset, Grande Rainha, mãe, esposa e Weret-Hekau. O quinto e último dia é correspondente à Senhora do Templo, Nebthet, quem guia os akhu para Amenti, a Terra dos mortos abençoados. 

Depois da celebração de cada um dos cinco filhos de Nut, segue-se o nascimento de Ra-Heruakhety, em que ocorre o Zep-Tepi, a primeira vez - um novo ano. 


terça-feira, 11 de abril de 2017

Nossa Indicações de Livros em Português

Para qualquer um que esteja interessado em conhecer e se entreter com a cultura egípcia, trago algumas indicações de livros feitas por HeryHeru e KhamHeru que você pode querer adquirir e ler como parte de seus estudos. Demos preferencia para livros em Português, isso porque não temos livros sobre Ortodoxia Kemética em português, somente em inglês. Sendo essa uma pergunta que muitos nos fazem, decidimos fazer essa lista de livros que contribuem intelectualmente a praticantes da Ortodoxia Kemética. Segue abaixo a lista:


1. O Guia dos Hieróglifos Egípcios: Como ler e escrever em egípcio antigo, por Richard Parkinson.



"Ótima leitura para compreender como se escreve e principalmente como se lê a língua kemética. Trás uma boa base de entendimento de como se pronuncia as palavras".

2. Fatos e Mitos do Antigo Egito, por Margaret Marchiori Bakos.



"Livro bem acadêmico, mas de fácil leitura. Tem uma boa lista de mitos e contos, além de trazer muito do dia a dia dos antigos. Ótimo para compreender a cultura e a forma de pensamento dos antigos keméticos".

3. A Magia Egípcia: Pedras, Amuletos, Fórmulas, Nomes e Cerimônias Mágicas, por E. A. Wallis Budge.



"Apesar de Budge ser um autor conservador e controverso, o livro é uma boa base para compreender o sistema de magia kemética, como o uso de elementos que podem ser empregados no dia a dia de qualquer praticante. Os ritos e fórmulas algumas vezes não podem ser empregados hoje, mas podem ser adaptados utilizando os elementos principais."

4. Deuses, Templos e Faraós: Atlas cultural do Antigo Egito, por John Baines e Jaromir Malek.



"Muito útil para compreender as cidades de cultos das divindades. Trás uma abordagem simples e completa das cidades keméticas com fotos e excelentes textos explicando a função e o dia a dia dos diferentes locais. Ótimo para compreender a importância das cidades para os keméticos".

5. O Mundo Mágico do Antigo Egito, por Christian Jacq.



"Leitura obrigatória!! O livro trás várias abordagens da religião kemética. Você vai encontrar em diversas partes do texto termos usados na Ortodoxia Kemética. É uma leitura agradável que pode ajudar muito o praticante a compreender melhor a religião".

6. As Religiões no Egito Antigo: deuses, mitos e rituais domésticos, por Byron E. Shafer, John Baines, Leonard H. Lesko e David P. Silverman.



"Um livro ótimo! Tanto por questões culturais quanto religioso! Trás uma contribuição principalmente em questões de interpretação dos mitos e compreensão dos deuses, com ênfase numa exposição fabulosa sobre sincretismo dos deuses".

7. Escrito para a Eternidade: A literatura no Egito faraônico, por Emanuel Araújo.



"Uma obra magnífica para quem quer ter contato direto com a literatura egípcia. Mitos, lendas, contos, poemas e muito mais!"

8. Religião e Magia no Antigo Egito, por Rosalie David.



Considero um ótimo livro para quem deseja compreender a história egípcia de maneira cronológica, completa e detalhada. Muito útil para ter ideia do desenvolvimento, costumes e vivências dos antigos egípcios.

Alguns livros podem não estar disponíveis nas grandes livrarias, mas podem ser encontrados em sebos online, como no site Estante Virtual.

Esperamos que tenha lhe ajudado de alguma forma! Gostariamos de ter um feedback de suas leituras ou até mesmo alguma indicação pertinente.

Ate mais...

Senebty


segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Louvando os deuses em um modelo kemético

Não é o tipo de postagem que eu goste de escrever, desde que não tenho a responsabilidade de lhe dizer o que deve ou não ser feito perante os deuses. Logo, isso é muito pessoal, embora o que será aqui exposto pode ajudar a qualquer um a criar sua própria forma de adorar os deuses através de uma perspectiva kemetica.




Para começar: Não há uma regra sobre como louvar os deuses, nem os antigos keméticos se limitavam a dogmas. A Ortodoxia Kemética não é uma religião canônica, então qualquer ato espontâneo de veneração é recebido pelos deuses. Os kemeticos antigos faziam isso montando um espaço especial em suas casas para se conectar com deuses e akhu. Água fria e pão são ofertas tradicionais e aceitáveis. Pode parecer simples oferecer água aos deuses, mas em Kemet, país de clima desértico, água era um artigo de luxo, extremamente necessária para a sobrevivência sob o calor. Muitos visitavam locais sagrados também, e isso não os impediam de enxergar o divino em todos os lugares.

Um altar kemético é composto por tigelas para ofertas, vela e incenso, e uma imagem da divindade de culto. As ofertas podem ser revertidas, ou seja, consumidas pelos devotos depois de ofertadas. Dessa forma, estará sendo consumida as bênçãos da divindade também, é um ato muito bonito. (lembrando que ofertas feitas ao akhu não devem ser revertidas). A vela e o incenso servem para atrair a divindade. O perfume, como entendido pelos kemeticos, tornavam as coisas divinas. Além de criar um ambiente agradável para estar presente junto dos deuses. Como de costume, é tomado um banho antes de se apresentar aos deuses no altar, e isso serve tanto para separá-lo do cotidiano e o preparar para ouvir os deuses, quanto como um ato de respeito para com eles. Cada momento no altar é um momento especial, e pureza interfere positivamente na eficácia da comunicação com o Divino. Dito isto, o altar também deve ser limpado com frequência, pois nele mora Netjer.

Os deuses keméticos estão em todos os lugares, não somente no altar. Durante qualquer periodo do dia você pode sentir necessidade de parar o que esteja fazendo e sussurrar algumas orações para os deuses kemeticos. Ou oferecer alguma libação, ou um alimento que você esteja prestes a comer. Eles estão conosco a todo momento, mas nem sempre os percebemos. Comunicar com os deuses é desafiador, e requer atenção aos sinais, e aos seus sentimentos. Mas através da minha experiência pude perceber que muitas das vezes os deuses atuam em nossas vidas de forma imperceptível, e eles não vão achar mega necessário você saber que eles te abençoam a cada dia. Com o tempo a presença divina torna-se mais perceptível e os deuses mais compreensíveis de entender. Leva tempo e prática.

Por fim, você pode começar seu contato com divindades keméticas quando quiser. Não é necessário aprovações alheias, e nem ninguém pode julgar a forma como você e o divino se relacionam. Se há interesse em aprender mais, a Ortodoxia Kemética o receberá de braços abertos.